Publicado originalmente no site da Unicamp.
Se hoje a região amazônica é dominada pela exuberante floresta tropical, há bilhões de anos a área apresentava uma intensa atividade vulcânica, algo que já é de amplo conhecimento de geólogos e pesquisadores, mas cuja pesquisa, por conta de características da própria floresta, ainda é um desafio.
Uma pesquisa do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp trouxe novas contribuições à investigação do passado geológico da Amazônia. Por meio da análise de imagens e da composição de rochas extraídas da região, o estudo descobriu que a porção leste da chamada Província Mineral de Alta Floresta — área de cerca de 55 mil quilômetros quadrados que compreende o Nordeste do Mato Grosso e o Sul do Pará — apresenta características de uma antiga formação de caldeira vulcânica erodida, como encontrada hoje, por exemplo, no Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos.
A descoberta é um dos resultados da pesquisa de mestrado de André Kunifoshita e foi publicada na revista Geoscience Frontiers. O artigo também conta com a autoria de Maria José Mesquita, professora do IG e orientadora da pesquisa, e de Felipe Holanda dos Santos, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Reconstruir o passado
As primeiras pesquisas sobre um passado vulcânico da Amazônia são do fim do século XIX. Desde então, pesquisadores vêm trabalhando para entender os aspectos desse passado pelos indícios encontrados na atualidade. Os três períodos de atividade vulcânica que formaram o que hoje se denomina Cráton Amazônico ocorreram, inicialmente, há 2 bilhões de anos, seguido de outro período há 1,88 bilhões de anos e de um terceiro, há 1,78 bilhões de anos. As formações derivadas deste último período integram o chamado Grupo Colíder, um dos tipos de rocha que compõem a Província Mineral de Alta Floresta.
O Grupo reúne aspectos que despertam a curiosidade dos geólogos, como uma possível associação às formações de cobre e ouro encontradas na região. Segundo Maria José Mesquita, ainda não se sabe se há uma relação direta entre o vulcanismo e o surgimento desses metais, o que justifica as pesquisas. A professora também ressalta que, em torno de 2 bilhões de anos, o planeta começou a se oxigenar, dando origem aos primeiros seres vivos. “Há várias coisas em jogo ao se estudar este período”, avalia.
A hipótese da formação de caldeira vulcânica surge a partir da análise de imagens de radar do relevo das proximidades da cidade de União do Norte. Esta formação ocorre quando uma câmara que concentra o magma se esvazia, fazendo com que as camadas superiores a elas colapsem e desçam, formando a estrutura circular com bordas. Apesar dos indícios, a análise das rochas que a compõem é necessária para reforçar a hipótese de o local ter se formado a partir do vulcanismo. "Como estamos trabalhando com rochas muito antigas, não temos todas as evidências dessa formação. Coletamos pistas para desvendar o que ocorreu no passado", detalha Kunifoshita.
Assim, foram coletadas amostras de rochas da região para sua datação — por meio do método urânio-chumbo —, petrografia e análise geoquímica. O pesquisador verificou a existência de rochas características de eventos vulcânicos efusivos, marcados pela maior fluidez do magma, o que facilita a liberação de gases e a erupção mais calma — como é o caso dos riolitos —, e rochas de erupções explosivas, mais violentas, onde o magma extravasado se mistura às cinzas e aos fragmentos de outras rochas — no caso, as lapilli tuffo e outras rochas piroclásticas. "Nossa hipótese é de que são rochas derivadas do mesmo período, mas de pulsos vulcânicos diferentes. Comparando com os dias de hoje, é como acontece no Monte Etna, na Itália, que de tempos em tempos entra em erupção", explica.
Dessa forma, a pesquisa mapeou o empilhamento estratigráfico da região, ou seja, como os sedimentos liberados pela atividade vulcânica foram se acumulando e formando camadas. Por meio disso, foi possível encontrar outro indício que corrobora a hipótese da caldeira erodida, que é a existência de diques por onde o magma fluía, formando anéis e estruturas radiais em torno da caldeira.
Peças de um quebra-cabeças
Estudos que buscam desvendar o passado geológico da Amazônia esbarram em desafios que vão desde a dificuldade de chegar em determinados locais e a grande distância entre as cidades, até os processos de intemperismo típicos das florestas tropicais. “Várias áreas de estudo estão cobertas por vegetação. A própria floresta dificulta encontrarmos os afloramentos de rochas, eles não são contínuos”, comenda André, que ainda ressalta o quanto as chuvas constantes contribuem para a alteração dos minerais e para a formação de solos argilosos.
Entretanto, os pesquisadores ressaltam que as rochas vulcânicas do Grupo Colíder, mesmo sendo muito antigas, não sofreram metamorfismos que tenham modificado suas principais características. “Está tudo preservado. Isso facilita muito, vemos as estruturas da forma como se constituíram, o que é incrível”, destaca Mesquita.
A figura A (à esquerda) identifica o Cráton Amazônico e a B destaca a Província Mineral de Alta Floresta
Agora no doutorado, André pesquisa toda a extensão do Grupo Colíder da região de Alta Floresta. As informações obtidas contribuem não apenas para que se conheça o passado geológico, mas o que se pode esperar do presente, como os minerais disponíveis na região atualmente. Um trabalho complexo, digno da grandeza de bilhões de anos de história. “É como encontrar partes de um quebra-cabeças”, sintetiza.