Projeto internacional, liderado pelas Universidades de Harvard e de Cornell, compara como países de 5 continentes vêm atuando em termos de saúde pública, economia e política. A Unicamp integra o estudo
A Universidade de Cornell e a Universidade de Harvard, ambas nos Estados Unidos, publicaram na primeira quinzena de janeiro resultados preliminares de um estudo comparativo entre 16 países do impacto às respostas governamentais relacionadas a saúde pública, economia e política durante a pandemia da Covid-19. O projeto Comparative Covid Response: Crisis, Knowledge, Politics (CompCoRe) foi financiado pela National Science Foundation, agência governamental americana que promove o progresso da ciência, e pelo Schmidt Futures, instituição privada que busca aproximar cientistas da política pública. O docente Marko Monteiro e o pesquisador de pós-doutorado Alberto Urbinatti, ambos do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG), são integrantes da equipe que realizou o estudo brasileiro, composta também por Gabriela Di Giulio, Ione Mendes e Felipe Reis, da USP, e Philip Macnaghten, da Universidade de Wageningen, na Holanda.
O Brasil está entre os países que mais chamaram atenção no estudo. Para Alberto Urbinatti, “a Covid-19 explicitou e aprofundou questões pré-existentes em cada país. Isto fica bastante evidente no caso brasileiro: uma intensa polarização política pré-existente deu o tom das respostas à pandemia, principalmente no que diz respeito às controvérsias que surgiram em torno das responsabilidades federal, estadual e municipal com as medidas de combate à Covid-19”. O relatório preliminar do estudo apresentou 3 tipologias diferentes de pensar as relações entre as respostas à pandemia e a forma como a sociedade aceitou ou reagiu a elas. Brasil, Índia, Itália, Reino Unido e Estados Unidos representam os maiores fracassos de resposta à Covid e, por isso, foram classificados como países “caóticos”. China, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan como “de controle”. Alemanha, Austrália, Áustria, França, Japão, Holanda e Suécia como “de consenso”. Pesquisadores de cada um desses países colaboraram com estudos de caso para a comparação.
Os resultados preliminares do projeto indicam 5 falácias comuns aos diferentes países analisados que, segundo os pesquisadores, precisam ser evitadas: 1) de que uma pandemia pode ser gerenciada por um "manual"; 2) de que, em situações de emergência, as políticas públicas são mais importantes do que o contexto político; 3) de que os indicadores de sucesso e fracasso são sempre nítidos e os resultados podem ser bem definidos e medidos objetivamente; 4) de que o assessoramento por cientistas permite que os formuladores de políticas definam as melhores políticas públicas em todos os casos; e 5) de que a desconfiança no assessoramento dado pelos especialistas em saúde pública reflete um "analfabetismo científico". “Esses pontos derivam do debate sobre casos bastante diversos. Não são pontos que buscam delimitar ‘regras’, mas indicam fortemente uma necessidade de levar em conta que os fracassos de política pública e resposta à pandemia, cujos casos mais paradigmáticos são os Estados Unidos e o Brasil, devem-se não necessariamente à ausência de boas políticas públicas ou a uma ausência de bons cientistas e conhecimento, mas pela forma como tais conhecimentos e protocolos sanitários conhecidos foram ignorados ou preteridos por conta de disputas políticas, como no caso brasileiro”, aponta Marko Monteiro.
Um dos objetivos do projeto foi justamente dar soluções rápidas, bem fundamentadas e que pudesse ajudar a orientar a própria resposta dos países à pandemia. Os resultados reforçam a importância de se proteger a economia e os empregos a longo prazo e identifica que as melhores respostas de saúde pública estão relacionadas tanto a fatores biológicos, como biologia molecular, clínica médica e epidemiologia, quanto a fatores sociais, como o comportamento humano. O contexto político de cada país também é responsável pelos avanços ou retrocessos em políticas públicas.
Segundo Alberto Urbinatti, o projeto aponta nas suas conclusões questões necessárias para pensar um ‘novo globalismo’ do século XXI. As vacinas, por exemplo, “evidenciaram questões de ética e ciência em um palco global, criando novas redes de interação e conflitos políticos”. Para Marko Monteiro, dados os problemas em produzir vacinas, destaca-se a “necessidade de produzir um novo pacto global, além de um pacto social internamente a esses países, a respeito do papel da ciência nas tomadas de decisão. Um novo globalismo pode representar uma forma de reorganizar tanto cadeias de produção e relações comerciais, quanto as instituições de alcance global que participam da governança desses eventos, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). São questões centrais para os anos futuros”.
A parceria internacional coloca a Unicamp entre as principais universidades que vêm pesquisando globalmente o tema “Ciência, Tecnologia e Sociedade”. A equipe brasileira se inseriu no projeto em setembro de 2020 através de um convite de Phillip Macnaghten, que já havia trabalhado em outros estudos com Marko Monteiro. Desde então a equipe do estudo de caso brasileiro tem trabalhado na geração e análise de dados. Phillip foi chamado para participar da iniciativa através de Stephen Hilgartner, da Universidade de Cornell, e Sheila Jasanoff, da Harvard Kennedy School, que são os líderes globais do projeto. No Brasil, Marko coordenou os estudos com auxílio de Phillip. A coleta e análise de dados foi liderada pelo pós-doc Alberto Urbinatti, com auxílio de Ione Mendes, Felipe Reis e Gabriela Di Giulio, da USP.
Repercussão
O relatório foi divulgado no evento global "Schmidt Futures Forum", que ocorreu de forma online nos dias 12 e 13 de janeiro, no qual Tedros Adhanon, diretor-geral da OMS, fez a fala de abertura Adhanom ressaltou as disparidades globais no processo de vacinação que se iniciou em dezembro de 2020, além das diferenças de aderência às recomendações de saúde púbica mapeadas no estudo. Ele destacou também o papel central de sistemas públicos de saúde diante dessa e de futuras pandemias e clamou pelo envolvimento de toda sociedade nessas ações.
O jornal americano The New York Times citou o projeto em uma matéria publicada em 15 de janeiro, na qual ressalta a noção de “condições pré-existentes” sugerida no estudo para entender as diferenças de resposta dos países no mundo.
Por Eliane Fonseca
Fotos: Divulgação Pixabay e acervo pessoal
Edição de imagem: Renan Garcia
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