Ao mesmo tempo em que ocorre a pandemia da Covid-19, um novo surto de Ebola está em curso na África e a circulação do Zika vírus persiste na América Latina. Um estudo internacional, do qual fazem parte os docentes da Unicamp Janaina Pamplona da Costa, do Instituto de Geociências (IG), e André Sica de Campos, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), aponta a relação entre as três doenças, que foram classificadas como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Um artigo ("Who’s afraid of Ebola? Epidemic fires and locative fears in the Information Age") sobre o estudo acaba de ser publicado no periódico Social Studies of Science, um dos mais renomados internacionalmente na área dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia.
O artigo argumenta que as epidemias de Zika, Ebola e Covid podem ser comparadas ao conceito de “fire-object”, ou seja, encontros entre atores humanos e não-humanos no espaço, em padrões intercaláveis de ausência e presença, caracterizado por descontinuidades, transformações e justaposições da realidade presente-ausente, comuns às três doenças investigadas. O estudo também traz o conceito de medo locativo, isto é, o medo do contato próximo ou da co-localização entre os indivíduos e a doença por não se saber se ela está presente ou ausente no espaço.
Os pesquisadores do estudo internacional realizaram entrevistas em diferentes países do mundo para buscar entender o medo, a incerteza e a possível falta de controle sobre o Ebola e a Zika. "Os medos se caracterizaram pelos sintomas, agentes transmissores e pela possibilidade de infecção latente, mas não consciente, denominada no artigo como existências transitórias", apontam Janaina e André. Segundo os docentes, o Ebola teve menos casos identificados, se comparado ao Zika e mais recentemente à Covid-19, mas sua manifestação patológica é muito agressiva e frequentemente letal, exacerbando o sentimento de medo e a ansiedade com a exposição num momento de transição à ocorrência dos sintomas.
O sentimento de uma ameaça invisível, manifestada no elevado medo locativo para o Ebola, impediu em alguns casos o próprio tratamento da doença. "O estudo sugere que o medo locativo pode ter possivelmente auxiliado a conter a circulação do Ebola", apontam os estudiosos. Já no caso da Zika, que tem menor letalidade e ocorre em conjunto com outras doenças infecciosas do mesmo vetor, como dengue e chikungunya, o medo locativo é comparativamente menor do que o do Ebola. O medo de contágio ao vírus da Zika associa-se fortemente à microcefalia em recém-nascidos.
De acordo com resultados publicados no artigo, a Covid-19 tem a característica de um “fire-object” por ocorrer em diversas regiões em maior ou menor medida ao longo do tempo, distribuindo-se irregularmente no território. Ainda que o Ebola tenha uma taxa de letalidade mais alta que a Covid-19, ambas as doenças são fortemente influenciadas pela informação e sua circulação, formando, portanto, o sentimento de medo locativo.
Segundo Janaina e André, os dados utilizados na pesquisa sobre Ebola e Zika foram coletados entre os anos de 2013 a 2017. Para a investigação do Ebola, em que o surto pesquisado ocorreu entre 2013 e 2016, foram realizadas um total de 348 entrevistas na República da Guiné, Mali, Gana, Quênia e Estados Unidos. Os docentes da Unicamp coordenaram 100 entrevistas entre 2016 e 2017 para a investigação do Zika no Brasil, com recursos da National Science Foundation por meio da Louisiana State University, dos Estados Unidos.
Foram entrevistados profissionais da saúde (médicos e enfermeiros), cientistas, acadêmicos, agentes públicos de saúde e público em geral sobre prontidão e percepção social da doença. As entrevistas ocorreram nos estados de São Paulo, Maranhão, Pernambuco e Paraíba. Participaram da pesquisa como entrevistadores alunos de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do IG, pesquisadores da FCA e do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, além de pesquisadores seniors de fora da Universidade de Campinas. Outras centenas de entrevistas sobre a Zika ocorreram na Argentina, no México e na Índia.
Rede internacional de pesquisadores
A pesquisa internacional foi liderada pelo professor Wesley Shrum, da Louisiana State University, primeiro autor do artigo. Além dos docentes Janaina Pamplona e André Sica, no estudo do Zika vírus no Brasil houve participação da professora Rhiannon Kroeger, também da Louisiana State University, que visitou a Unicamp em 2016 para auxiliar na coordenação da pesquisa e definição do questionário. A professora Léa Velho, hoje aposentada pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica do IG, envolveu-se no estudo por ter sido o primeiro contato com Wesley Shrum, tendo participado da primeira etapa da pesquisa.
No estudo do Zika vírus nos demais países envolvidos na pesquisa, participaram Pablo Kreimer, da Universidad Nacional de Quilmes (Argentina); Leandro Rodriguez Medina e Ana Pandal de la Peza, da Universid de las Americas Puebla (México); e Jan Joseph e Anthony Palackal, da University of Kerala (Índia). Já na pesquisa sobre o Ébola, participaram Paige Miller, da University of Wisconsin River Falls (Estados Unidos); Abou Traore, da Penn State University (Estados Unidos) e John Aggrey, da Louisiana State University.
Os dados dos estudos sobre Ebola e Zika com implicações para a Covid-19 foram analisados por uma rede internacional de colaboradores, chamada informalmente ZBola. Na Unicamp, a pesquisa faz parte de uma agenda do Laboratório de Políticas Públicas, Geografia da Inovação e Governança (Lab-GOING), grupo de pesquisa interunidades (FCA e IG) que é coordenado pelos professores André e Janaina e que envolve a pesquisa de doutorado sobre o Zika vírus dos alunos do PPG-PCT Paulo Cintra e Liz Greco desde 2017, além de duas orientações de PIBIC/Unicamp com bolsistas da FCA/Unicamp.
Por Eliane Fonseca
Fotos: Morgana Wingard/ USAID (22/09/2014) e Arquivo Pessoal
Edição de imagem: Alex Matos
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