Matéria publicada originalmente no Jornal da Unicamp.
Estudo coordenado pela Unicamp aponta fator de sobrevivência dos animais em condições extremas
Um grupo formado por pesquisadores de cinco universidades publicou recentemente, na revista Scientific Reports, um artigo que descreve como a ausência de sacos aéreos invasivos nos primeiros dinossauros sugere a hipótese de origens múltiplas para a pneumaticidade vertebral desses animais. Essa pneumaticidade favoreceu a sobrevivência em situações extremas e a adaptação deles a mudanças climáticas por milhões de anos. Esses dinossauros permanecem vivos até hoje na forma das aves.
A equipe é formada por pesquisadores da Unicamp, que coordenaram os trabalhos, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Western University of Health Sciences (WUHS). O estudo faz parte da pesquisa de Tito Aureliano, doutorando do Instituto de Geociências da Unicamp e orientado pela docente Fresia Ricardi-Branco. As pesquisas foram financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
“Na era Mesozoica, em que esses animais predominavam na Terra, o clima era muito mais quente do que é atualmente. O que favoreceu um dos grandes grupos de dinossauros, chamados saurísquios, foi justamente a presença de sacos aéreos por todo o corpo, que funcionavam tanto como um sistema de refrigeração natural como também aumentavam a quantidade de oxigênio disponível no sangue, permitindo explosões rápidas durante caçadas e fugas”, explica o pós-graduando da Unicamp.
Segundo Aureliano, “dinossauros do Período Cretáceo [o último da era Mesozoica], como o T. rex e o Ibirania, eram bastante pneumatizados e tinham um sistema respiratório muito parecido com o das aves. Essa característica dos esqueletos está relacionada com o sistema de sacos aéreos, que existia tanto em dinossauros saurísquios como em pterossauros, um outro grupo irmão dos dinossauros. Não se sabia, entretanto, se essa característica já estava presente no ancestral comum dos dinossauros e pterossauros”. Investigar esse aspecto foi um dos objetivos do estudo.
Para isso, o grupo de pesquisadores decidiu analisar três fósseis de alguns dos dinossauros mais antigos já identificados – Buriolestes, Pampadromaeus e Gnathovorax. Os vestígios dos animais têm 233,3 milhões de anos e foram coletados no Rio Grande do Sul. Os pesquisadores realizaram microtomografias computadorizadas no Instituto do Petróleo e de Recursos Naturais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para investigar as estruturas interna e externa dos fósseis.
“Procuramos por traços que esses sacos poderiam ter deixado na coluna dos organismos fósseis, baseando-nos no que estudamos nas aves viventes. A isso chamamos Pneumaticidade Esqueletal Pós-Craniana (PSP). ‘Pós-Craniana’ porque nosso crânio tem porosidades que não são relativas a sacos aéreos. Isso causa, por exemplo, sinusite nos humanos. Os poros reais, causados por sacos aéreos, estão no esqueleto para além do crânio. Temos evidência de PSP em pterossauros, dinossauros saurópodes e dinossauros terópodes”, explica. A pesquisa indicou a ausência de PSP nos fósseis estudados, levando os pesquisadores à conclusão de que o sistema de sacos aéreos permeando o esqueleto não estava presente nos gêneros de dinossauros analisados. Ou seja, não era comum aos avemetatarsálios.
A PSP associada a um sistema de bolsas de ar é uma das principais características que favorecem o sucesso da evolução e diversificação das aves. O artigo inova ao trazer a evidência de que a Pneumaticidade Esqueletal Pós-Craniana de pterossauros, terópodes e sauropodomorfos surgiu de forma independente em pelo menos três momentos.
As mudanças ambientais e climáticas ocorridas ao longo do Cretáceo e a transformação dos continentes para uma configuração semelhante à dos dias atuais, no entanto, geraram muito estresse para esses organismos, refletindo diretamente na evolução e extinção gradativa de vários subgrupos.
Ao contrário do imaginário popular, esses seres não foram totalmente extintos pelo meteorito que caiu no México há 66 milhões de anos. Segundo Aureliano, “os processos de extinção foram gradativos. Mas, logo no Triássico, boa parte dos arcossauromorfos – grupo que inclui todos os ancestrais comuns entre as aves e os crocodilos – foi extinta. Somente dinossauros e pterossauros chegaram no Jurássico. Ainda assim, os pterossauros foram completamente extintos no final do Cretáceo. Os dinossauros também, exceto alguns grupos de aves”. Nesse sentido, os sacos aéreos foram essenciais para a evolução por permitirem uma entrada maior de oxigênio no sangue, aumentando a agilidade para a caça e a fuga, e até o voo, e também favorecendo a seleção de dinossauros avianos pequenos que precisavam de pouca quantidade de alimentos para sobreviver.
A equipe de pesquisadores, composta por Tito Aureliano (Unicamp/UFRN), Aline Ghilardi (UFRN), Rodrigo Müller (UFSM), Leonardo Kerber (UFSM), Flávio Pretto (UFSM), Marcelo Fernandes (UFSCar), Fresia Ricardi-Branco (Unicamp) e Mathew Wedel (WUHS) trabalhou em conjunto nas várias fases da pesquisa, desde a escavação dos fósseis até a produção do artigo. “Publicar um trabalho de acesso aberto numa revista do grupo Nature é importante para a inclusão e a visibilidade da ciência brasileira. É uma conquista de todos os brasileiros quando se publica um artigo de impacto como esse, pois isso gera propriedade intelectual para as instituições públicas nacionais, aumentando gradativamente seu valor no cenário mundial”, comemora Aureliano.
Por Eliane da Fonseca Daré
Foto: Arquivo pessoal
Ilustração: Márcio L. Castro
Edição de imagem: Paulo Cavalheri