Alternativas de desenvolvimento e questões socioambientais motivam projetos do Instituto de Geociências da Unicamp
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Engajamento com as comunidades e com questões sociais mais amplas, interação com organizações, empresas e agências financiadoras, buscando um futuro sustentável. Essas ações fazem parte da rotina de pesquisadores do Instituto de Geociências. Com uma abordagem multidisciplinar, eles combinam temáticas complementares para uma melhor compreensão das relações entre a sociedade e o planeta.
Projetos desenvolvidos na Unidade, em parcerias com instituições nacionais e estrangeiras, têm contribuído para o bem-estar das comunidades. Eles são realizados na Floresta Amazônica e em Peixoto de Azevedo (MS), uma área de exploração mineral. Em comum, a preocupação em conciliar a preservação dos recursos naturais com o desenvolvimento econômico.
PROFitos BioAM - Rosana Corazza, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), lembra que a Amazônia brasileira “tem a biota mais rica do planeta e é povoada por exuberante sociodiversidade, incluindo centenas de etnias indígenas e comunidades tradicionais detentoras de valioso conhecimento sobre usos e manejo de recursos ambientais”. Tais características, aliadas a pesquisas científicas sólidas, podem colaborar no enfrentamento da degradação ambiental, do desmatamento e da exploração não sustentável da floresta. Essa união de conhecimentos traz “oportunidades ligadas à natureza, como a bioprospecção, o desenvolvimento e a comercialização de bioprodutos amazônicos”, avalia.
A docente integra o projeto PROFitos BioAM, cujo objetivo é ampliar o conhecimento sobre a Amazônia e suas plantas medicinais a partir de uma metodologia participativa de prospecção e priorização técnico-científica, promovendo a cadeia de fitoterápicos amazônicos e contemplando critérios de sustentabilidade alinhados à Agenda 2030 e aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
De acordo com o Ministério da Saúde, os fitoterápicos têm finalidade profilática, curativa ou paliativa e derivam de matéria-prima vegetal ativa. Sua produção - tímida se comparada à exuberância de nossa biodiversidade e dos mercados, envolve o programa Farmácias Vivas, centros em que são realizados desde o cultivo de espécies medicinais até seu processamento e distribuição para o SUS.
O projeto, contemplado por uma chamada conjunta da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia (FAPEAM), foi elaborado por uma equipe interdisciplinar de 18 pesquisadores da Unicamp, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da Universidade Federal da Amazônia (UFAM), coordenada por Maria Beatriz Bonacelli, docente do DPCT, e por Nadja Lespech-Cunha e Jorge Porto, do INPA. Segundo os pesquisadores, “os resultados almejados e a direção dos trabalhos em andamento buscam contribuir com a promoção da cadeia produtiva de fitoterápicos no país, mas também, a consolidação de critérios de sustentabilidade, o bem-estar das comunidades locais, a valorização da cultura e das tradições e a repartição de benefícios; a manutenção da ‘floresta em pé’, ‘desmatamento zero’; a descomoditização de produtos não madeireiros; e o desenvolvimento dos setores empresarial, de P&D e de inovação atrelados a produtos sócio-bioéticos”.
Uso real x uso formal da terra na Amazônia maranhense - Em outro projeto, Lindon Matias, do Departamento de Geografia (DGEO), e Silas Nogueira, do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), pesquisam condicionantes do desenvolvimento sustentável através do contraponto entre o uso real e o uso formal da terra no Maranhão.
Financiado pela FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) e CNPq, seus focos são o registro cartográfico e a análise das formas atuais de uso e ocupação da terra, em comparação com o estabelecido em leis e políticas de uso. O estudo busca contribuir com o planejamento e a gestão do território com vistas a uma ocupação mais equânime e socialmente justa. “A Amazônia maranhense é um espaço geográfico dinâmico, com potencialidade para alcançar níveis adequados de sustentabilidade socioambiental, especialmente quanto às transformações do uso da terra e à sua adequação aos limites configurados pelo conhecimento científico e pelas necessidades sociais, com fundamentos socioeconômicos que garantam as condições de vida da população”, explica Lindon.
De acordo com o docente, há uma diferença flagrante entre o uso preconizado do território e o que de fato existe naquela área, revelando uma atuação proeminente dos proprietários fundiários através do uso de instrumentos legais para obter lucro com a mercantilização da terra urbana e rural. “Esse processo quase sempre ocorre em detrimento das demandas socioambientais da população e das boas práticas do planejamento e gestão territorial. Na prática, os padrões de uso da terra expressam uma síntese de interesses e decisões decorrentes de diferentes momentos históricos, revelando disputas socioterritoriais na e pela região”. Os resultados - dados, mapas e análises prospectivas -, serão compartilhados com entes públicos para subsidiar políticas para a região.
O projeto agrupa pesquisadores com formação em Geografia (Unicamp, Unesp, USP, UEMA, IMESC, Ibama), Engenharia Cartográfica (Unicamp), Arquitetura e Urbanismo (UEMA), Ciências Ambientais (UFMA), Agronomia (Embrapa), Economia (IMESC), Direito (UEMA), além de um agrônomo da Cardiff University (UK), especialista em desenvolvimento sustentável na Amazônia, e de um geógrafo da Kansas University (USA) com atuação em políticas ambientais e sustentabilidade. Alunos de graduação e de pós-graduação do IG também integram a equipe. “Procuramos garantir ampla capacidade de análise e diversidade com relação aos temas da sustentabilidade, possibilitando tanto a aquisição e o processamento de grande quantidade de dados, como também uma análise embasada nas principais concepções teóricas da atualidade”, avalia Lindon.
Amazon FACE - Outra equipe do IG integra o programa Amazon FACE - “Avaliação dos efeitos do aumento de CO2 atmosférico sobre a ecologia e resiliência da Floresta Amazônica”, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O projeto envolve um experimento inédito, realizado próximo à cidade de Manaus, que visa expor uma área da floresta a uma concentração de CO2 prevista para o futuro, usando a tecnologia Free-Air CO2 Enrichment (FACE). O objetivo é obter conhecimentos que possam orientar políticas frente às mudanças climáticas, cujo impacto nos ecossistemas tropicais é incerto, podendo gerar uma espécie de savanização da área. Isto é, caso a floresta continue a ser desmatada, pode-se atingir um ponto de não-retorno, desencadeando-se um processo de mudança do bioma com consequências para toda a América do Sul, como diminuição de chuvas, secas extremas e perda da biodiversidade. O experimento pretende contribuir para a redução dessas incertezas e orientar avaliações globais da vulnerabilidade da floresta frente a essas mudanças.
Doutorando do DPCT sob orientação do professor Marko Monteiro, Felipe Mammoli investiga o papel das tecnologias digitais na produção de conhecimento sobre as mudanças climáticas. Durante cerca de dois anos e meio, ele acompanhou o desenvolvimento de um modelo computacional de previsão da resposta da vegetação da Amazônia aos aumentos de temperatura e de CO2 atmosférico esperados. “Observamos o funcionamento da ecologia vegetal da Amazônia não com incursões na floresta, mas em grandes conjuntos de dados, complexos arcabouços teóricos e vastos repositórios de códigos de computador”, conta. Trabalhar em um computador é diferente de trabalhar em campo, mas pôde-se observar uma prática científica com o objetivo conhecer o funcionamento da floresta para tentar garantir a ela “um futuro que não seja o da devastação”.
Em outra componente do Amazon FACE, em parceria com David Lapola, pesquisador do Cepagri da Unicamp, Monteiro desenvolve um projeto relacionando segurança alimentar e mudanças climáticas. “O programa como um todo visa entender as formas como a floresta irá se comportar em um ambiente ‘aquecido’, com muito CO2, mas nesse projeto observamos como as pessoas na Amazônia lidam com a segurança alimentar, como suas redes sociais ajudam ou não a criar resiliência, e como isso se relaciona com extremos climáticos cada vez mais comuns na região”, disse o docente, que lidera o projeto em parceria com Tiago Jacaúna, pesquisador da UFAM.
A equipe acaba de encerrar um primeiro trabalho de campo, visitando comunidades em três localidades: Manaus, Carauari e Tabatinga, que formam um gradiente de segurança alimentar (mais robusta em Manaus e menos em Tabatinga). O objetivo é entender como os extremos climáticos poderão afetar essas comunidades a partir da adaptação já em curso, fornecendo dados socioculturais para o programa Amazon FACE. “Queremos integrar cientistas sociais ao projeto, mas também interagir com a sociedade. Desde mostras de arte até engajamento com a comunidade, organizações, tomadores de decisão, empresas e financiadoras, o projeto considera seu impacto em questões sociais mais amplas”, aponta Monteiro. Essa seria uma tendência das agências financiadoras cada vez mais praticada no IG.
Mineração - A cidade de Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso, faz parte da Província Aurífera de Alta Floresta (PAAF), abrigando uma reserva mineral onde atuam cooperativas de garimpos de ouro e empresas de vários portes. Desde 2019, pesquisadores do IG desenvolvem dois projetos em parceria com a Cardiff University e o Global Challenges Research Fund. Eles reúnem pesquisadores das áreas de economia, antropologia, ciências sociais, geoquímica ambiental, educação, ecologia, geologia e, mais recentemente, geografia.
Em um deles, o workshop “Mineração sustentável em Peixoto de Azevedo”, coordenado por Maria José Mesquita, docente do Departamento de Geologia e Recursos Naturais (DGRN), debateu a realidade de uma comunidade que vive da mineração artesanal de pequena escala. Também foram discutidas práticas minerárias e ambientais e possibilidades de desenvolvimento socioeconômico para além da mineração, incorporando demandas da comunidade local.
Um segundo projeto investiga a certificação do ouro ambientalmente sustentável, a substituição de mercúrio no amálgama por plantas nativas (em parceria com a Embrapa de Sinop), as plantas locais que possam acumular mercúrio (fitorremediadoras) e a preparação da comunidade para temas como sustentabilidade. “Em novembro de 2021 levamos um grupo de entrevistadores para identificar a percepção dos diversos atores locais em relação à sustentabilidade, aos objetivos sustentáveis e à certificação”, conta Maria José. Contribuem com o projeto garimpeiros de mineradoras artesanais, cooperativas, proprietários de casas de compra de ouro, empresas de mineração, comerciantes, comunidades indígenas, a Central Única das Favelas da cidade (Cufa-Peixoto), sociedade civil, escolas, secretarias do meio ambiente, vereadores e Ministério Público.
Quando se fala em mineração, é inevitável perguntar se é possível praticá-la de forma sustentável. De acordo com a docente, “em qualquer área de pesquisa, precisamos perguntar primeiro que tipo de desenvolvimento estamos construindo e quão sustentável ele pode ser em um modelo capitalista. Devemos pensar não na mineração individualmente, mas em todo o processo de vida de um determinado produto. Um celular, por exemplo: quantos metais são utilizados em sua fabricação? De onde vêm? E as baterias de lítio, cobalto? De onde são extraídas essas matérias-primas? Como é o beneficiamento desses metais? E, depois de descartado o aparelho, como funciona a economia reversa e a reciclagem? ”, questiona a docente.
Sobre a possibilidade de recuperar o meio ambiente em áreas de exploração mineral, ela explica que uma avaliação ambiental deve preceder o plano de recuperação ambiental de áreas degradadas (PRAD): “para identificar os processos de contaminação que podem ter ocorrido, cabe saber que tipo de mineração ocorreu. Se é primária ou secundária, em rios, subterrânea ou a céu aberto. Todos os projetos de exploração mineral devem apresentar um PRAD. Muito tem sido recuperado, mas isso depende de esforço político e econômico”.
Por Eliane Fonseca Daré
Edição de imagem: Paulo Cavalheri
Fotos: João M. RosA (capa) e créditos