Teses premiadas defendidas no Instituto de Geociências são relacionadas ao pré-sal e ao uso da energia eólica no semiárido brasileiro
Duas teses defendidas no Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Unicamp foram contempladas no III Prêmio Rodrigo Simões de Tese de Doutorado, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR). A tese vencedora foi “Circuito espacial produtivo do petróleo na Bacia de Santos e a economia política da Região Metropolitana da Baixada Santista”, defendida por Luciano Pereira Duarte Silva, sob orientação do docente Márcio Antonio Cataia. Já a tese "Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro”, defendida por Mariana Traldi, sob orientação da docente Arlete Moysés Rodrigues, recebeu menção honrosa. Os dois trabalhos foram escolhidos dentre 33 inscritos no Prêmio, que busca incentivar a produção intelectual supervisionada na área de planejamento urbano e regional.
Tese Vencedora
De acordo com a presidência do júri, a escolha da tese vencedora ocorreu em função da temática abordada, do arcabouço teórico-metodológico e da excelente qualidade final do texto. Segundo Luciano Pereira, “a pesquisa analisou como as transformações do circuito espacial produtivo do petróleo, decorrentes das descobertas do pré-sal (2007), sobretudo na Bacia de Santos, provocaram a mobilização de diversos agentes da Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) no sentido de trazer diversas modificações socioespaciais que visavam adequar as bases materiais, econômicas e sociais dessa região aos imperativos das grandes empresas ligadas ao circuito em questão”. Agentes relacionados às atividades de exploração e produção do petróleo, como a Petrobras, passaram a se instalar na região com maior intensidade. Com isso, ocorreram diversas articulações na área de planejamento urbano, resultando na concepção de um grande conjunto de projetos de infraestrutura, capitaneado pela Petrobras.
Com a pesquisa, foi possível observar que as iniciativas de adaptação do espaço ao recebimento de agentes e atividades produtivas ligadas às etapas de exploração e produção de petróleo na RMBS não se efetivaram plenamente devido principalmente à crise política que atinge a formação socioespacial brasileira. “O principal agente mobilizador das transformações espaciais na RMBS, a Petrobras, reduziu a ampliação de suas ações na região, enfraquecendo assim os círculos de coordenação mobilizados e articulados com agentes locais que buscavam sustentar suas ações nas cidades da Baixada Santista”, descreve Luciano. Com isso, diversos projetos de adaptação do espaço da RMBS não se concretizaram, o que não permitiu a criação de uma condição nacional de desenvolvimento regional endógeno. Ainda assim, a exploração de petróleo no pré-sal na Bacia de Santos avança, “o que pode em algum momento voltar a demandar maior participação da Baixada Santista. No entanto, com menor capacidade de coordenação desse processo nas mãos da Petrobras, a região se encontra numa situação de maior vulnerabilidade em relação às rápidas dinâmicas globais do mercado de petróleo, além de se aprofundar uma guerra dos lugares em busca dos possíveis investimentos das empresas ligadas a esse setor”, pontua.
Menção honrosa
Já a tese que recebeu menção honrosa foi escolhida pela originalidade e pela metodologia adotada na pesquisa. De acordo com Mariana Traldi, a pesquisa mostra como se dá o acesso e controle dos territórios de elevado potencial eólico no semiárido brasileiro pelas empresas de geração eólica. “A energia eólica, nos moldes atuais, emerge como uma importante aliada no combate às mudanças climáticas e seu uso vem se ampliando rapidamente. Buscamos compreender como esse processo vem se desenvolvendo no Brasil e mais especificamente no semiárido brasileiro. Nossa maior preocupação dizia respeito à apropriação privada do vento e de terras por empresas de geração eólica”, conta. Outro ponto era identificar os agentes envolvidos neste processo e o papel desempenhado por cada um deles, em especial pelo Estado brasileiro. “A pesquisa foi desenvolvida buscando identificar as principais contradições inerentes a esse processo e os nexos que interconectam o interior do semiárido brasileiro e a totalidade do mundo”, destaca Mariana.
O estudo traduz um ineditismo ao pesquisar o processo de despossessão do vento e de terras promovido pela indústria eólica, mais especificamente por fazê-lo a partir da análise dos contratos de arrendamento eólico, que por serem sigilosos são de difícil acesso. “Revelar como os contratos se tornam instrumentos formais de promoção da despossessão do vento, de terras e das formas de reprodução social antes existentes no semiárido pelas empresas de geração eólica é certamente um dos resultados mais importantes da pesquisa desenvolvida. Revelar a contradição que se estabelece entre produção de energia ‘limpa’ e combate às mudanças climáticas e às ilegalidades contratuais, injustiças territoriais, roubo e esbulho de terras e direitos, grilagem de terras, desapossamento e expropriação do direito a terra no sertão brasileiro, que ocorrem em muitos casos com a conivência de órgãos estatais, é certamente outro importante resultado da tese defendida”, aponta Mariana. A pesquisa resultou ainda em um raio x dessa situação geográfica, identificando agentes locais, como os donos de terras e posseiros; agentes globais, como fundos de pensão e de investimento, proprietários de parques eólicos no Brasil; e as relações estabelecidas entre esses agentes e os fluxos de capital. “A partir dessa análise, pudemos compreender os nexos existentes entre as mais diversas escalas geográficas, identificando quais empresas e instituições financeiras se apropriam dos lucros obtidos na geração eólica brasileira”, conclui.
Premiação
De acordo com o docente Rafael Straforini, coordenador do PPG-Geografia, essa é a primeira vez que o Programa recebe o prêmio. “Esse é um reconhecimento da qualidade das pesquisas que se realizam em nível de mestrado e doutorado, evidenciando a excelência dos seus orientadores, alunos, dos grupos de pesquisa e das condições institucionais para realização das pesquisas. De alguma forma, essas premiações nos revelam que estamos no caminho certo e nos motivam ainda mais a buscar sempre a excelência no desenvolvimento das pesquisas e no comprometimento com a produção do conhecimento geográfico. Este conhecimento é de extrema importância para a compreensão das dinâmicas territoriais atuais, bem como para avaliação de políticas públicas atuais e planejamento de políticas que possam mitigar os impactos socioespaciais de tais dinâmicas territoriais, sobretudo para os grupos sociais mais vulneráveis”, afirma.
Para o docente Márcio Cataia, que orientou a tese vencedora, “o prêmio vem coroar o sério trabalho de pesquisa que vimos realizando no Grupo de Pesquisas em Economia Política do Território (GEPOT). O mérito de Luciano é muito claro, e como ele sempre destacou e eu reforço, sem o apoio da Fapesp, de nosso PPG e das condições aportadas por nosso Instituto (IG,) dificilmente teríamos tido esse resultado. A importante e rica história de nossa jovem Universidade – jovem com um histórico de premiações ímpar – tem um peso intelectual que positivamente influencia na forma como produzimos nosso trabalho”.
Já para Mariana Traldi, a menção honrosa é um reconhecimento à qualidade da pesquisa desenvolvida. “É uma honra e um orgulho receber uma menção honrosa da ANPUR, que é uma reconhecida associação que congrega programas de pós-graduação e entidades brasileiras das mais diversas áreas do conhecimento que desenvolvem ensino e pesquisa no campo dos estudos urbanos e regionais e do planejamento urbano e regional. Ou seja, trata-se de uma premiação importante não só no campo da Geografia, mas das ciências sociais, das ciências sociais aplicadas, entre outras áreas do conhecimento”, finaliza.
Em 2020 o PPG-Geografia da Unicamp já havia recebido Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese de 2020, com o estudo “Espacialização e geocronologia das coberturas superficiais em terraços marinhos, fluvomarinhos e fluviais na foz das bacias dos rios Itapocu e Araranguá (SC), decorrentes dos episódios de transgressões e regressões marinhas associadas às oscilações/pulsações climáticas”, de Felipe Gomes Rubira sob orientação do professor Archimedes Perez Filho.
Por - Eliane Fonseca
Fotos - Arquivo pessoal e Pixabay
Edição de imagem - Renan Garcia
Matéria publicada originalmente no Jornal da Unicamp.