A busca por alternativas que desacelerem o aquecimento global foi um dos principais temas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), que aconteceu entre 31 de outubro e 12 de novembro em Glasgow, na Escócia. O evento sobre clima e meio ambiente reuniu representantes de mais de 190 países signatários do Acordo de Paris (2015), que tem como uma de suas principais metas reduzir a emissão de gases do efeito estufa, de forma que o aumento de temperatura do planeta seja menor que 2°C.
Estudos indicam, no entanto, que a Terra caminha para um aumento de temperatura de 2,7ºC. Caso sejam adicionados objetivos de neutralidade de emissões de carbono para 2050, esse aumento, na melhor das hipóteses, será de 2,2ºC. A emissão de combustíveis fósseis pela ação humana é apontada como a principal causa do aquecimento global. Ondas de calor, alagamentos, incêndios florestais e outros eventos climáticos extremos têm se intensificado nos últimos anos. O Brasil, que assinou o Acordo de Paris, recusou-se (assim como Estados Unidos e China) a zerar sua produção de energia à base de carvão, uma das metas propostas na COP26. A política ambiental brasileira também tem sido criticada pelo constante avanço do desmatamento na Amazônia.
Para Rosana Corazza, docente do Instituto de Geociências, as COPs (Conferências das Partes) têm servido para que esclarecer questões importantes como: "qual é o problema", "o que temos a ver com isso" e "o que devemos fazer". “A maior parte dos problemas do nosso tempo tem relação com uma transmutação socioambiental em múltiplas dimensões: ameaças à vida nos oceanos, à biodiversidade nos ecossistemas terrestres, à estabilidade do clima, à água, ao solo, à atmosfera. A governança internacional do clima tem sido subsidiada, em sucessivas COPs, por relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). A humanidade, principalmente com a queima de combustíveis fósseis, está contribuindo para as mudanças climáticas contemporâneas e se tornou, nas palavras dos cientistas que propõem o termo ‘Antropoceno’, tão poderosa quanto uma força geológica", aponta Corazza.
Para Paulo Fracalanza, do Instituto de Economia, “as crises gêmeas que se abatem sobre nós - ambiental, sanitária, econômica, social e política - não podem ser resolvidas de forma estanque. Elas expressam uma profunda falência civilizacional e, para resolvê-las, precisamos de uma abordagem sistêmica, que permita pensá-las em sua interação”. Para o docente, tais alternativas devem ser compreendidas como práticas viventes, muitas delas formas de organização que se perpetuam através dos tempos, apesar das tentativas de extermínio. “Nossa perspectiva, essencialmente eurocêntrica, parece esgotada, e é mais do que tempo de nos voltarmos aos conhecimentos de povos tradicionais, indígenas, quilombolas, que nos fornecem, como sugere Boaventura de Souza Santos, uma abertura para as epistemologias do Sul. Já que as fórmulas gastas não parecem surtir efeito, devemos buscar no imenso repertório de experiências de outras formas de organização que a humanidade ainda conserva alternativas ao status quo”, reflete Fracalanza.
De acordo com Rosana Corazza, há anos uma torrente de alertas científicos vem chamando atenção para o problema. Em 2007, os autores do AR4 (4º Relatório de Avaliação do IPCC) receberam o Nobel da Paz justamente por dirimir dúvidas e oferecer ao mundo essa "verdade inconveniente" - na expressão do ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, que dividiu o prêmio com os cientistas do IPCC. “Em 1988, já eram claras tanto as bases científicas sobre a origem antrópica da aceleração das mudanças climáticas quanto a visão de que era necessário agir rapidamente para enfrentá-las”, afirma Rosana. Nesse mesmo ano, houve três fatos marcantes relacionados aos estudos do clima: a criação do IPCC; o discurso de James Hansen no Senado americano; e a circulação de um documento confidencial da Shell, produzido em 1985. Hansen, que foi diretor do “Goddard Institute for Space Studies”, da NASA, e que hoje trabalha no “Earth Institute” da Universidade de Columbia, alertou os políticos sobre a realidade das mudanças climáticas e sobre o papel das atividades antrópicas no acirramento desse processo. Já o documento da Shell, intitulado "The Greenhouse Effect", estimava que atividades humanas, principalmente o uso de combustíveis fósseis e o desmatamento, já teriam aumentado a quantidade de CO2 em 15% no século anterior. O documento apontava o aquecimento global como consequência do aumento da emissão de CO2, mas nem todos concordavam com a possibilidade de um desastre climático.
Essas e outras questões são abordadas por Rosana Corazza e Paulo Fracalanza na disciplina “Capitalismo e crise ambiental: transições e alternativas”. De modo geral, a disciplina oferece uma perspectiva histórica de campos interdisciplinares sobre as relações entre sistemas socioeconômicos e sistemas naturais. Parte-se do pensamento renascentista e clássico, passando pelo debate entre conservacionistas e preservacionistas no início do século XX e chegando ao ambientalismo moderno. Destacam-se os esforços de comunicação científica sobre a crise atual e as alternativas de distintas tradições teóricas que se propõem a mitigar os problemas, adaptar as sociedades, ou transitar para novas formas de organização social que permitam superar as crises social e ambiental contemporâneas.
“Na última parte da disciplina o desafio é inter-epistêmico. Tentamos ir além do interdisciplinar, trazendo um multiculturalismo que considere outras formas de interação entre o homem e a natureza, o que o professor Enrique Ortega chama de ‘utopias viventes’ ”, diz Rosana. A disciplina foi ministrada pela primeira vez em 2020. Em 2021, será encerrada com o ciclo de debates “Alternativas sistêmicas rumo à sustentabilidade da vida”. “A ideia do ciclo é trazer perspectivas que aproximem contribuições disciplinares e que as ultrapassem, no que podemos chamar de Ecologia de Saberes, para combinar esses olhares e também levar nossas visões coletivas para além desses desafios. É uma forma de juntarmos nossas esperanças e de, juntos, cultivá-las”, aponta a docente. A coordenação e curadoria do ciclo é de Rosana Corazza (IG), Paulo Fracalanza (IE), Iraima Lugo (doutoranda em Política Científica e Tecnológica), Lara Ramos (mestre em PCT), Heitor Dellasta (mestrando em PCT) e Lilian Roizman (graduanda em Economia).
O primeiro debate, sobre “Valores e condições para alternativas sistêmicas rumo à sustentabilidade da vida”, com Paulo Fracalanza (IE) e Rosana Corazza (IG), já está disponível.
Confira a programação do ciclo de debates:
22/11 | 14h
Tema: Redes de Solidariedade e Afeto
Participantes: Erica Gonçalves Dias (Doutoranda PCT/IG-UNICAMP) e Carla Águas (Pós-Doutoranda - PCT/IG-UNICAMP).
Moderadores: Rosana Corazza (IG-Unicamp) e Paulo Fracalanza (IE-Unicamp)
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24/11 | 14h
Tema: Agroecologia, sistemas agroflorestais e agricultura sintrópica: experiências e desafios para conexão entre florestas e pessoas
Participantes: Walter Steenbock (Engenheiro Agrônomo, Analista Ambiental do ICMBio) e Fabiana Penereiro (Engenheira Agrônoma, ONG Mutirão Agroflorestal).
Moderador: Heitor Dellasta (Mestrando em PCT/UNICAMP)
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29/11 | 14h
Tema: Bioeconomia na Amazônia
Participante: Josiane Tikuna (ativista indígena do povo Ticuna, antropóloga, coordenadora do Projeto Piloto de Agrovida-Naãne Arü Mã’u – Terra e Vida)
Participante: Nadja Lepsch (doutora em Biologia, Analista Sênior em C&T, Coordenação de Pesquisas INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA)
Moderadora: Iraima Lugo (doutoranda em PCT/UNICAMP).
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Por Eliane Fonseca Daré
Imagem: Kiara Worth| fotos públicas
Matéria publicada originalmente no site da Unicamp.