Matéria publicada originalmente no Jornal da Unicamp.
Falta de políticas públicas contribui para potencial desastre causado pela seca no semiárido baiano
Tese defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp por Rafael Vinicius de São José teve como principal objetivo desenvolver uma metodologia de prevenção ao risco de seca no semiárido do Estado da Bahia, utilizando como estudo de caso a mesorregião do Vale São-Franciscano, ocupada por grupos que apresentam diferentes níveis de vulnerabilidade social. Em áreas cuja população é muito vulnerável, a seca pode gerar profundos impactos sociais.
“O que constatamos foi que, para cada cenário de seca — fraca, moderada, severa, extrema ou excepcional —, a crise, caso aconteça a materialização do risco, não atingirá todos da mesma forma e com a mesma intensidade. A população mais vulnerável será a mais afetada por não ter acesso suficiente à água”, explica São José. O estudo, orientado pelo docente do IG Roberto Greco e coorientado pela pesquisadora Priscila Pereira Coltri, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), sugere que a região apresenta áreas potenciais para a ocorrência de grandes desastres relacionados à seca.
A mesorregião do Vale São-Franciscano está situada na região semiárida da Bahia e vem sendo bastante impactada pelo avanço da agropecuária, do cultivo de frutos para exportação e do desenvolvimento urbano. Para verificar tendências de umidade e de temperatura (mínima e máxima) da área do estudo, o pesquisador analisou os valores mensais de precipitação pluviométrica e de temperatura do ar relativos ao período de 1961 a 2019.
O autor da tese constatou a propensão ao aumento da temperatura do ar e à redução da precipitação pluviométrica, o que pode ter relação com as mudanças ambientais e com a própria dinâmica climática da região. “A seca, quando ocorre em locais com baixa infraestrutura, com uma população em diferentes níveis de vulnerabilidade social, pode comprometer a segurança alimentar, intensificar a pobreza, gerar fome e epidemias”, expõe.
Ao integrar dados espaciais referentes às possíveis ocorrências de seca, nos diferentes graus de intensidade e com os distintos níveis de vulnerabilidade dos agricultores do semiárido baiano, foi possível gerar um mapa com a distribuição espacial do risco climático da seca. O pesquisador analisou 278 municípios e identificou que, se houver seca fraca, moderada ou severa, a grande maioria desses municípios está sob risco muito alto, com potencial de o fenômeno ganhar proporção de desastre. Se houver seca extrema ou excepcional, o risco eleva-se a crítico.
“Esse resultado sugere que, se tais riscos se materializarem, podem desencadear desastres de diferentes intensidades e resultar em turbulência social”, previne Rafael. Para evitar esse tipo de desastre, é necessário elaborar políticas públicas que reduzam a vulnerabilidade social da população e que aumentem a capacidade de resposta. “Quando falamos de desastre, não podemos nos centrar apenas no campo das ciências naturais. Devemos levar em consideração as ciências sociais. O desastre é o encontro do fenômeno natural com uma população socialmente vulnerável”, aponta o pesquisador.
Greco destaca que a tese apresenta uma metodologia com desdobramentos conceituais e de grandes possibilidades de aplicação. “Também permite entender o quão alarmante é a situação do risco de seca no semiárido e o quão urgente é criar políticas voltadas para a convivência com a seca”, acrescenta. São José lembra que esse é um fenômeno natural que faz parte da história evolutiva do planeta. “Essa é uma anomalia temporária que pode ocorrer em qualquer região do globo, tanto em áreas caracterizadas por baixas precipitações como em áreas que apresentam totais elevados de chuva”, afirma.
Ação antrópica
Coltri lembra que a alteração do clima global está relacionada com a ação antrópica e que mudanças significativas têm sido observadas, como é o caso dos níveis de gases de efeito estufa, os mais altos já registrados. Argumenta, ainda, que houve um desequilíbrio a partir da Revolução Industrial, com a emissão de gás carbônico, metano e óxido nitroso, todos provenientes da atividade humana. “Com isso, a Terra está ficando mais quente e causando mais desequilíbrios. Então, ocorrem fenômenos muito intensos, com chuvas muito fortes em alguns lugares e secas extremas em outros.”
Para São José, altos índices de precipitação chamam mais atenção da mídia, da população e da Defesa Civil, ignorando-se que a seca é o maior risco climático do Brasil. “Para grandes especialistas de diversas partes do mundo, de todos os eventos naturais, a seca é mais complexa e mais grave que furacão, tornado, terremoto e vulcão em razão de sua natureza lenta. O ambiente leva mais tempo para se recuperar. A memória da seca fica gravada nele e, quando há uma seca subsequente, a chance de resultar em grandes desastres é muito alta. Diferentemente de outros eventos naturais, os impactos da seca não são estruturais, nem pontuais. São impactos que avançam no território, que se expandem e alcançam uma área maior”, adverte o pesquisador.
O pesquisador lembra, por fim, que embora haja locais no Brasil com pouca chuva, o semiárido brasileiro é o mais chuvoso se comparado a outras regiões semiáridas. “O problema não é a falta de chuva. O problema está relacionado à falta de uma política eficiente de captação dessa água”, reforça. “Apesar do aumento de eventos extremos, as crises desencadeadas não derivam apenas da intensidade e frequência desses eventos, mas da forma como o espaço geográfico é planejado e habitado”, complementa.
Por Eliane da Fonseca Daré
Imagens: Marcelo Casal Jr (Agência Brasil) e Antoninho Perri
Edição de imagem: Paulo Cavalheri / Alex Calixto