Artigo publicado originalmente no Jornal da Unicamp.
Por Bruno Brandão Fischer e Sérgio Queiroz*
A ciência brasileira, em especial aquela praticada no Estado de São Paulo, vem se expandindo de forma expressiva nas últimas décadas, o que pode ser atestado tanto pelo crescimento do número de mestres e doutores formados como pelo número de artigos publicados em revistas indexadas. Seu grande desafio hoje é avançar em termos qualitativos, aumentando o impacto da produção científica tanto na academia como na sociedade em geral.
Entre os caminhos para enfrentar esse desafio está a maior internacionalização da nossa ciência, isto é, sua crescente integração às redes de pesquisa globais. Com esse objetivo em vista, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) criou o Programa São Paulo Excellence Chair (SPEC). Os projetos SPEC visam à estruturação de grupos de pesquisa no Estado de São Paulo apoiados pela figura central de um pesquisador estrangeiro com grande projeção no cenário internacional que passa doze semanas por ano, durante um período de cinco anos, sediado na instituição paulista. Assim, junto aos pesquisadores brasileiros, ele contribui para o desenvolvimento de projetos científicos de larga escala orientados para a fronteira do conhecimento em determinada área. Por si só, tal proposta já representa um vetor estratégico para a condução de pesquisa de ponta nas instituições de São Paulo.
Mas, talvez, o principal impacto gerado pelo SPEC esteja na sua capacidade de impulsionar o protagonismo dos grupos de pesquisa locais no cenário internacional. Isso porque tais projetos contemplam – ainda que implicitamente – alguns princípios centrais da dinâmica de redes de conexão, principalmente aqueles vinculados ao papel dos brokers. Os brokers são aqueles atores-chave responsáveis pelo estabelecimento de pontes entre redes dispersas. Devido ao seu reconhecimento e atuação junto à comunidade científica global, os pesquisadores principais convidados – enquanto espinhas dorsais dos projetos SPEC – fomentam intensas relações entre acadêmicos brasileiros e grupos de pesquisa estrangeiros. Podemos ilustrar alguns desses ganhos a partir da trajetória percorrida pelo projeto SPEC intitulado Innovation Systems, Strategies and Policy (InSySPo[1]), sediado no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.
O InSySPo teve início no ano de 2014, sendo o terceiro projeto SPEC financiado no âmbito da Unicamp. Com duração de cinco anos, essa primeira fase do InSySPo desdobrou-se em quatro trajetórias de pesquisa: Sistemas de Inovação (área transversal); Avaliação de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação; Redes de Inovação; e Empreendedorismo Intensivo em Conhecimento. A figura central do projeto foi o professor Nicholas Vonortas, da Universidade George Washington, Estados Unidos. Pelo lado da Unicamp, o projeto foi coordenado pelos professores Sérgio Queiroz, Sergio Salles e André Furtado, todos com relevante histórico acadêmico e experiência na área de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação em âmbito internacional.
Em 2020, o InSySPo entrou em sua segunda edição com alguns ajustes de configuração, os quais evidenciam a evolução do projeto em termos de maturidade dos campos de pesquisa e da inserção internacional do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Nesse segundo momento, as trajetórias de pesquisa passam a compreender cinco grandes áreas: Inovação em Sistemas (eixo central); Atualização Tecnológica e Processos de Convergência Econômica; Desenho, Implementação e Avaliação de Política Científica e Tecnológica; Ecossistemas de Inovação e Empreendedorismo; e Aplicação de Big Data para Análises de Processos Inovadores e Política de Ciência e Tecnologia (área transversal). À equipe original de pesquisadores principais, se unem os nomes de Ron Boschma (Universidade de Utrecht, Holanda) e Rodrigo Costas (Universidade de Leiden, Holanda), reforçando o processo de consolidação do InSySPo junto à comunidade internacional.
Esse percurso foi cumprido por meio de diferentes frentes de atuação, as quais permitem um entendimento mais refinado da relevância estratégica do InSySPo. Um primeiro elemento diz respeito à confirmação da hipótese de que o SPEC seria uma forma de adensar as redes internacionais em que estão inseridas as instituições paulistas. Na qualidade de pesquisador principal, Vonortas teve um papel essencial em conectar pesquisadores da Unicamp com indivíduos e instituições no cenário internacional. As pesquisas realizadas nas diferentes trajetórias científicas do InSySPo ganharam ampla visibilidade junto a atores proeminentes no cenário acadêmico, garantindo processos colaborativos que culminaram em produções conjuntas e mobilidade de pessoal, tanto em âmbito nacional como internacional. A isso se somam os eventos anuais do InSySPo, conferências que trouxeram ao Estado de São Paulo pesquisadores líderes em seus respectivos campos, permitindo interações em profundidade e a construção conjunta de agendas de pesquisa.
Uma segunda frente de relevância central do InSySPo diz respeito à formação de capital humano em nível de doutorado e de pós-doutorado. Isso envolveu e segue envolvendo alunos e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, os quais compõem parte significativa da estrutura do projeto. Por sua vez, a qualidade da capacitação desses indivíduos foi intensificada pelas oportunidades geradas pelo InSySPo. Isso é demonstrado pela colocação profissional de ex-bolsistas em instituições de ponta, tanto instituições de caráter científico como órgãos formuladores de políticas no Brasil e no exterior.
O InSySPo desempenhou também um papel fundamental ao impulsionar a entrada de pesquisadores da Unicamp em projetos relacionados aos temas de cada uma das trajetórias de pesquisa. Essas vertentes adicionais incluíram um projeto de avaliação de políticas da Fapesp, a criação de uma metodologia de análise de parques tecnológicos para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a participação em um projeto Marie Curie financiado pela Comissão Europeia acerca da dinâmica tecnológica em cadeias globais de valor[2] , a atuação no projeto INCOBRA, uma iniciativa de fomento à cooperação em ciência, tecnologia e inovação entre o Brasil e a União Europeia[3] e no projeto CEBRABIC, voltado para a implantação de um centro para a cooperação em negócios e inovação também entre União Europeia e Brasil, posteriormente estendido para outros quatro países da América Latina[4].
Tal dinâmica teve como desdobramento um incremento substancial da quantidade e qualidade dos produtos de pesquisa obtidos no âmbito do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Isso se traduziu em artigos sendo veiculados em periódicos internacionais de ponta, livros em colaboração com autores internacionais e uma diversidade de relatórios técnicos executados junto a órgãos nacionais e internacionais vinculados ao contexto de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Nesse contexto, destaca-se uma atividade científica com impactos que excedem o ambiente acadêmico – um desafio atual e relevante da atuação de pesquisadores –, gerando resultados que alcançam a sociedade em sentido amplo. Essa realidade de concatenação entre pesquisa de fronteira e transferência do conhecimento para agentes e instituições públicos e privados atesta a importância do InSySPo em potencializar impactos multidimensionais da atividade acadêmica.
Sem a pretensão de sumarizar os extensos resultados das pesquisas produzidos pela equipe do InSySPo ao longo dos anos (os quais somam centenas de publicações), um ponto a destacar refere-se ao papel das universidades de pesquisa na dinâmica do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Diversas pesquisas inseridas nas distintas trajetórias do InSySPo apontam para uma multiplicidade de impactos associados a universidades brasileiras nas esferas locais, regionais e nacional. Isso se desdobra em produção científica e tecnológica, adensamento de redes colaborativas de conhecimento e geração de novos empreendimentos intensivos em conhecimento. Por sua vez, esses resultados permitem observar repercussões consideráveis sobre a evolução do tecido produtivo brasileiro. Tal corpo de evidências permite um entendimento em profundidade não somente acerca da influência das universidades de pesquisa nesses processos, mas também sobre os mecanismos envolvidos com esse fenômeno – principalmente aqueles associados a estratégias de interação universidade-empresa e a geração de uma cultura de difusão do conhecimento acadêmico. A Unicamp, como bem sabemos, é um modelo nacional nesses quesitos, tendo na Agência Inova um expoente do peso estratégico que a universidade historicamente dedica a esses temas.
Naturalmente, essas e outras questões abordadas pelo InSySPo estão longe de serem esgotadas. De fato, alterações importantes no contexto geopolítico internacional que estão ocorrendo neste século, como o embate entre Estados Unidos e China, devem trazer mudanças substanciais nas dinâmicas locais e global de inovação. Refinar o entendimento acerca dos novos cenários que se estão delineando no que tange à dinâmica de Ciência, Tecnologia e Inovação é um desafio que o InSySPo aceitou e incorporou a seus objetivos. A expectativa é de que o projeto permita cumprir seu objetivo de consolidar o Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp como centro de referência nacional e internacional, reforçando seu papel não somente na produção científica, mas também assumindo cada vez mais protagonismo como influenciador de políticas.
*Bruno Brandão Fischer - professor associado I na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA Unicamp), na área de Administração de Empresas, com pesquisas orientadas à temática de ecossistemas e sistemas regionais de empreendedorismo e inovação.
**Sérgio Queiroz - professor titular do DPCT/IG/Unicamp, com interesses de pesquisa nas áreas de processos de aprendizado tecnológico, globalização da tecnologia, investimento direto estrangeiro em P&D, parcerias universidade-empresa, empreendedorismo intensivo em conhecimento, ecossistemas de inovação e de empreendedorismo.
[1] https://www.ige.unicamp.br/insyspo/
[2] O projeto intitulado Catching-up Along the Global Value Chain congrega 15 instituições envolvendo parceiros da Europa, África, América Central e Ásia. Maiores informações: https://www.catchain.eu/wps/wcm/connect/Site/CatChain/Home/